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Communicado: Golpe de estado institucional no Brasil

O Comitê pelos direitos humanos na América Latina nasceu em 1976 após os golpes de Estado no Chile e na Argentina, em resposta as numerosas violações de direitos humanos cometidas por esses governos golpistas. Como organismo que acompanha e apoia diversos movimentos sociais na América Latina, vimos exprimir nossa profunda preocupação e consternação em face do golpe de Estado parlamentar confirmado no dia 31 de agosto no Brasil contra o governo eleito da presidenta Dilma Rousseff, representante do Partido dos Trabalhadores.

O que ocorre atualmente no Brasil só pode nos lembrar aquela onda de direita nos anos 70 que, por meio de um golpe de Estado, procurava colocar freios aos ventos de mudança que se faziam sentir no Cone Sul, propulsados pelos movimentos sociais, os grupos organizados, trabalhadores e trabalhadoras.

Hoje, o Brasil novamente sofre um ataque proveniente dos setores mais conservadores e da elite da sociedade brasileira. Cinquenta e dois anos depois do golpe de Estado cívico-militar de 1964 que impôs uma ditadura que durou 21 anos, os brasileiros e brasileiras encaram, mais uma vez, um golpe de Estado, desta vez institucional, orquestrado pelo Congresso desde maio deste ano, tendo como objetivo instaurar uma agenda neoliberal de privatizações e de retrocessos no que tange aos avanços sociais obtidos graça a anos de lutas e mobilizações da população. Ainda inelegível à presidência por conta de uma condenação judicial versando sobre o recebimento ilegal de doações para sua campanha (1), Michel Temer ocupará interinamente a presidência até as próximas eleições de 2018, apesar da taxa extremamente baixa de aprovação da população (2).

O golpe atual foi o produto de um trabalho de desinformação e de difamação empreendido pelas grandes mídias brasileiras, subvencionadas diretamente ou indiretamente por partidos políticos (3). Os autores desse golpe, definido por muitos como um ato misógino, estruturaram a perseguição contra Dilma Rousseff por meio de acusações machistas largamente repetidas pelas mídias, atacando-a com propostas descabidas e levantando questões baseadas em seu gênero – o que foi fortemente denunciado pelos movimentos sociais, a população brasileira e a comunidade internacional. Essa visão retrógrada é ilustrada muito bem pela equipe formada por Michel Temer, composta exclusivamente por homens brancos, dos quais 60% são acusados judicialmente de graves atos, indo de corrupção à fraude eleitoral, o sequestro, o homicídio, o trabalho escravo ou o desflorestamento ilegal (4).

No início do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, foram os programas sociais dirigidos aos grupos mais vulneráveis, do ponto de vista econômico e social, como mulheres, população negra, camponeses(as), indígenas e grupos LGBTQI, os quais sofreram de imediato os cortes orçamentários, ou simplesmente tiveram seus programas eliminados. Portanto, desde os primeiros dias após o golpe, o governo golpista iniciou sua agenda de austeridade, desmantelando direitos trabalhistas (5) por meio da proposta de aumento da jornada de trabalho para 12 horas diárias, assim como reduzindo as despesas púbicas mirando na educação e saúde, entre outros setores, colocando em prática uma política de criminalização dos movimentos sociais e populares, e de repressão dos trabalhadores e trabalhadoras, povos indígenas, minorias raciais e sexuais, mulheres e jovens. Essa agenda neoliberal chamada “Ponte para o futuro” já havia sido apresentada à Rousseff, que a rejeitou. A oposição a esse plano seria uma das principais razões da destituição de Dilma Rousseff, segundo entrevista dada pelo próprio Michel Temer em 22 de setembro (6).

A onda de privatização já anunciada por Temer, com a venda de 32 concessões e projetos nacionais, a atacar principalmente o setor energético – mais especificamente a indústria de petróleo atualmente gerida pela empresa nacional pública Petrobras –, e a indústria elétrica, igualmente nacional, abrem as portas aos investimentos de empresas transnacionais ao Brasil (7).

Nas últimas semanas milhares de pessoas manifestaram-se em várias cidades através do Brasil, a seguir o chamado de organizações populares em favor da democracia e contra o golpe de Estado. Atualmente, trabalhadores e trabalhadoras, movimentos camponeses, jovens, sindicatos, e milhares de famílias manifestam-se nas ruas e mobilizam-se a fim de denunciar esse governo ilegítimo. As manifestações foram fortemente reprimidas pela polícia militar, deixando feridos(das), dentre os quais uma jovem manifestante perdeu um de seus olhos, ferida por um projétil disparado por um policial (8) . A repressão armada faz-se igualmente nas zonas rurais, notadamente em acampamentos do Movimento dos afetados por barragens – MAB, na região do Baixo-Iguaçu, onde os agricultores e agricultoras que defendem seus direitos como pessoas afetadas foram violentamente atacadas por uma escolta armada da polícia militar, tendo como resultado várias pessoas feridas e hospitalizadas (9).

Considerando essa situação, vimos expressar nossa solidariedade e nosso apoio ao povo brasileiro, aos nossos camaradas do Movimento dos afetados por barragens – MAB, e a todos os movimentos sociais a fim de denunciar o golpe no Brasil.

Nós conclamamos o governo canadense a tomar uma posição clara de denúncia dessa tomada de poder ilegítima, dada por meio de um golpe parlamentar orquestrado por Michel Temer e sua equipe, de modo a colocar em questão os investimentos e colaborações com o Estado brasileiro nessa composição atual.

1.http://www.tvanouvelles.ca/2016/08/29/dilma-rousseff-denonce-un-coup-detat-a-son-proces-en-destitution
2.https://theintercept.com/2016/09/11/as-vaias-ao-presidente-e-a-operacao-passa-pano/
3. https://rsf.org/en/news/brazil-falls-press-freedom-index-now-104th
4.http://www.nytimes.com/2016/04/15/world/americas/dilma-rousseff-targeted-in-brazil-by-lawmakers-facing-graft-cases-of-their-own.html?_r=0
5.http://www.liberation.fr/planete/2016/09/04/michel-temer-le-restaurateur_1482842
6.https://theintercept.com/2016/09/23/brazils-big-media-ignores-temers-confession-except-estadao-columnist-who-falsely-claimed-video-was-altered
7.http://www.lemonde.fr/economie/article/2016/09/17/le-gouvernement-bresilien-tend-la-main-au-secteur-prive_4999275_3234.html
8.http://www.lapresse.ca/international/amerique-latine/201609/06/01-5017658-bresil-polemique-apres-des-manifestations-violemment-reprimees.php
9.http://www.mabnacional.org.br/noticia/tr-s-atingidos-por-barragens-s-presos-pela-pm-no-paran-0